sábado, 22 de agosto de 2015

CONFLITOS NOS GRACIES: FAIXA AZUL DANDO AULA, ESQUECERAM A DEFESA PESSOAL, HELIO DE FAIXA AZUL


Conflito de gerações! Família Gracie diverge sobre métodos de ensino do jiu-jitsu

O jiu-jitsu brasileiro é uma arte marcial que passou a ser difundida desde o começo do século XX, quando Carlos Gracie teve aulas com o japonês Mitsuyo Maeda e repassou os ensinamentos ao seu irmão Helio, que adaptou a arte suave a partir de um sistema de alavancas que possibilitou pessoas frágeis derrotarem adversários bem mais fortes.

Com a expansão da arte marcial, foi inevitável que a modalidade virasse um esporte e evoluísse como tal. No entanto, será que o sistema de defesa pessoal criado por Helio ficou em segundo plano em detrimento da competição de alto nível e da alta demanda mercadológica? O que mudou nos métodos de ensino da nova escola Gracie, capitaneada pelos irmãos Ryron e Rener, se compararmos com a velha guarda, representada pelo filho dos criadores, Robson e Relson Gracie?

A Ag. Fight foi em busca dessas respostas motivada pela notícia de Houston Cottrell, um jovem de 16 anos, que se tornou o instrutor mais jovem da história a comandar uma filial da academia Gracie, localizada no Mississippi (EUA). O caso gerou polêmica na internet e até revolta por parte de alguns professores de jiu-jitsu, que afirmaram ter dedicado mais de dez anos de suas vidas para terem o direito de ministrar aulas.

O americano faixa-azul foi graduado justamente pelos irmãos Ryron e Rener, filhos de Rorion Gracie, criador do UFC na década de 90. E em meio à chuva de críticas e até das ofensas pessoais, o mais velhos dos membros da mais nova geração de faixas-pretas da família deu sua versão sobre a controversa história e garantiu que só autorizou o rapaz a abrir a academia após Houston obter um certificado, resultado de um treinamento específico para exercer a função, que tem suas restrições.



“Houston é o garoto mais maduro que já conheci da idade dele, ele se graduou aos 16, está com 17 agora e segue ensinando o que nós o treinamos. Ele é muito talentoso e quando pegou a faixa azul, passou por todo nosso programa para virar instrutor. Confesso que não achei inicialmente uma boa ideia ter um garoto de 16 anos ensinando, mas ele é muito especial. Cottrell me disse que queria abrir a academia após o curso. Perguntei se ele tinha condições de comandar uma filial e ele me respondeu que queria fazer isso para o resto da vida. Normalmente, alguém deveria ter uns 19 anos para instruir, mas esse moleque é tão sagaz que autorizei ele a ensinar o nível um do jiu-jitsu, só para iniciantes”, disse Rener.

De acordo com o treinador, o jovem faixa-azul só está autorizado a ensinar o jiu-jitsu básico, e tem que repetir exatamente os ensinamentos passados por Rener, que fez questão de diferenciar a “afiliação” de uma academia Gracie para a “certificação” a que o jovem americano foi submetido.

“Tudo que ele está ensinando aos alunos é exatamente o que passamos durante a certificação. Ele está repetindo o que ensinei. O diferencial é que nossos instrutores são certificados por nós, sabemos o que estão fazendo, e o Houston tem os mestres deles, que sou eu e Ryron. Faço visitas a sua academia para ver a evolução. Todo mundo tem que aprender os fundamentos básicos que não mudam e o Houston está apto a ensinar isso. A diferença é que os instrutores que vão para o processo de certificação, ficam meses aprendendo conosco. Nós lhe ensinamos o currículo básico, depois ficam mais dois meses só fazendo um curso para instrutor. Esses instrutores não estão autorizados a criar ou modificar nenhuma técnica, tem que ensinar exatamente o que está proposto no currículo. Em uma afiliação, o professor faz o que quer e paga uma taxa anual, aqui eles seguem nosso modelo”, esclareceu.

Na Gracie Academy de Rener e Ryron, com sede em Torrance (EUA), a arte marcial é dividida em quatro níveis de ensino. No primeiro, os instrutores, que são faixas-azuis em sua maioria, estão aptos a ensinar faixas-brancas e iniciantes. Por sua vez, faixas-roxas podem dar aulas para o jiu-jitsu nível 2, enquanto que os marrons estão aptos a ensinar atletas do nível 3. Apenas faixas-pretas podem dar aulas no nível 4, para alunos graduados.


Conflito de gerações! Família Gracie diverge sobre métodos de ensino do jiu-jitsu

Patriarca da família condena escolha

Apesar da avaliação ser criteriosa, Robson, patriarca da família e filho de Carlos Gracie, não consegue nem ouvir falar das inovações promovidas pelos filhos de Rorion, principalmente quando o assunto é a escolha do americano Houston Cottrell, e pede rigor aos órgãos que controlam o esporte.

“Não precisa mais ter tradição e história para se abrir uma academia. Tem que existir uma tomada de posição dos órgãos dirigentes para as coisas serem colocadas em seus devidos lugares, se não vira essa zorra que está aí. Como você vai cuidar da educação ao seu filho em uma academia como essa? Como um faixa-azul pode abrir uma academia? Não dá para confiar, seu filho vai ser deseducado por uma figura dessa”, disse Robson, apontando as credenciais que considera necessárias para que alguém seja instrutor de uma academia Gracie.

“Para ser instrutor, tem que no mínimo ser faixa-marrom da federação pela qual é filiado. Você está cuidando da educação do filho dos outros, isso é muito sério rapaz. Ainda estão usando o nome da família Gracie… Eu fiz o meu curso em Gestão de Artes Marciais ministrado pelo Ministério de Educação e estou querendo aprovar um projeto de lei que exija esse diploma para os instrutores de todas as artes marciais”, disse Robson, que é presidente da Federação de Jiu-Jitsu do Rio de Janeiro e faixa vermelha do modalidade.

O curioso é que justamente Helio, o homem que desenvolveu o jiu-jitsu brasileiro, deu a sua primeira aula aos 16 anos. Como era muito frágil, com saúde debilitada e proibido de treinar pelo médico da família, Helio assistiu as aulas de Carlos desde os 13 anos de idade. E, após decorar os movimentos, aproveitou a ausência do irmão em certo dia para ministrar uma aula particular sem nunca ter colocado a arte suave em prática até então. O resultado? A aula foi um sucesso e o estudante pediu para treinar exclusivamente com Helio, que ‘tomou’ o aluno de seu irmão mais velho e mentor.

Aos 32 anos, Rener é neto de Helio e começou a dar aulas de jiu-jitsu quando tinha apenas 13. O primeiro aluno do Gracie foi uma criança de apenas cinco anos, vítima de bullying no colégio. Rener não só mudou a vida do menino, lhe devolvendo a confiança, como mudou a sua própria vida, já que, como gosta de dizer, descobriu naquele momento sua missão era expandir a arte suave criada pelo seu avô para o maior número de pessoas que pudesse atingir.

Com base em suas experiências pessoais, no talento de Houston Cottrell e na legislação americana, Rener mais uma vez viu embasamento para defender o seu jovem instrutor.

“Se um garoto de 17 anos pode ir lutar na guerra nos Estados Unidos e responde como adulto por seus atos, porque não pode abrir uma academia de jiu-jitsu? Imagina o nível que ele vai estar quando for instrutor aos 20 anos. Quem ensina aprende duas vezes. Por isso dividimos o jiu-jitsu em quatro níveis. Ensinar é a melhor maneira de aprender. Meu avô sempre dizia que não era um lutador, mas um professor que lutava para provar o que acreditava”, declarou Rener.


Conflito de gerações! Família Gracie diverge sobre métodos de ensino do jiu-jitsu
Relson Gracie é defensor do jiu-jitsu como defesa pessoal – Erik Engelhart

Por sua vez, Relson, segundo filho mais velho de Helio, se mostrou mais flexível do que o patriarca Robson Gracie quanto ao fato de um faixa-azul estar comandando uma filial que carrega o nome da família. Para o também faixa-vermelha, é preciso que seus instrutores novatos repitam exatamente o que lhe foi ensinado, “sem inventar moda”, e sempre com supervisão de Relson, que visita as 60 filiais espalhadas pelo mundo periodicamente.

“Tenho um aluno que começou a dar aula como faixa-azul terceiro grau. Hoje ele é roxa terceiro grau e está com 120 alunos. Ele repete tanto as posições com os alunos que vai se aperfeiçoando também e formatando o seu jiu-jitsu. Como estou presente nas filiais quatro vezes por ano, posso ver como está a evolução de cada uma delas. De três em três meses eu faço uma visita e, em cada ida ensino 20 posições para o instrutor. Ele vai ficar três meses só fazendo essas posições com os alunos. Volto três meses adiante e ensino mais 20 e assim vai. O instrutor é treinado para fazer uma repetição da minha aula, o rapaz é obrigado a anotar todas as posições e mostrar que tem a capacidade de fazer. Pode ser um faixa-roxa ou faixa-azul terceiro grau, ele tem que ter a capacidade de repetir. Ele não pode querer inventar, para não se enrolar. Ao longo de anos de seminários, a associação vai crescendo e começa a andar com suas próprias pernas, à medida que os alunos vão se graduando”, disse Relson.

Gracie University quebra paradigma ao ensinar jiu-jitsu pela internet

Como não queria colocar fronteiras na ‘gentil arte’, Rener penou para conseguir implementar uma escola de jiu-jitsu virtual, que no início teve a reprovação do seu próprio pai. Sem saída, ele fez um acordo com Rorion e pediu um ano para que pudesse provar que o seu sistema de jiu-jitsu pela grande rede funcionava. Após o período, seu pai aprovou a ideia do filho e ficou orgulhoso quando os faixas-azuis graduados pela internet compareceram à sua filial e demonstraram intimidade com as técnicas.

“Meu pai foi um grande crítico quando eu contei a ideia da Gracie University, assim como meu tio e todos os membros da ‘old school’ da família. Todos diziam ser impossível alguém aprender pela internet. Combinamos que ele iria ver o experimento durante um ano para ver se liberava. Depois, ele se surpreendeu com o resultado alcançado. Foi assim que convenci meu pai de que é uma boa opção para aqueles que não possuem uma academia perto de casa”, narrou.

A Gracie University, uma espécie de faculdade de jiu-jitsu onde os alunos têm acesso a um vasto material disponível na internet e que conta com mais de 100 mil alunos matriculados em cerca de 196 países, já possui seis anos de funcionamento. Rener reconhece que nada substitui uma academia física com diferentes parceiros de treino, mas acredita que a Universidade Gracie tem ajudado muita gente.

“É claro que a melhor opção é a academia, mas para quem não tem esse recurso, a Gracie University é excelente. Muitos dos meus parentes não sabem que essas pessoas treinam duro com seus parceiros em garagens espalhadas pelo mundo e tem uma ótima técnica. Eles treinam e periodicamente fazem visitas para revisar o aprendizado. Temos tudo disponível no nosso site e o que muitos críticos não sabem, é que que a Gracie University não é só para as pessoas assistirem vídeos. Eles assistem no tatame várias vezes até fazerem a técnica perfeita em suas garagens. Depois gravam os vídeos, mandam para a gente e nós corrigimos cada detalhe, independente de qual lugar do mundo você esteja”, disse Rener, ressaltando que a graduação online vai só até a faixa azul.

“Esses atletas são graduados como “faixas-azuis técnicos”, é como uma congratulação simbólica por eles terem aprendido a técnica, os movimentos. Mas para eles serem credenciados como autênticos faixas-azuis, devem fazer uma visita a uma de nossas academias para que possamos certificá-los. Não existe graduação pela internet para os faixas-roxas, só até a azul. Nosso currículo para iniciantes é o mesmo desenvolvido pelo Helio Gracie, somos muito cuidadosos com isso”, garantiu o neto de Helio.

Velha guarda condena jiu-jitsu virtual            

 Se Relson Gracie se mostrou mais flexível com relação ao fato de um faixa-azul dar aulas básicas de jiu-jitsu, quando o assunto é a arte suave ensinada pela internet, o filho de Helio Gracie não concorda com seus sobrinhos e revelou que seu pai também condenou a novidade, quando ainda estava vivo.

“Sou totalmente contra. O Helio Gracie falou que isso não funciona. Pode te ajudar a aprender uma posição, mas você não vai ter a compreensão, um ajuste, uma confirmação, isso só se consegue no contato. Tem que sentir a pressão, e pela internet é impossível. Como você vai saber se está pegando? A melhor aula é a privada e a segunda melhor é a em grupo com a assistência de alguém capacitado”, definiu Relson, apoiado por Robson.

“Isso é uma pouca vergonha. Hoje em dia as pessoas abrem federações e academias em qualquer esquina, virou um fast food. Até faixa tem gente vendendo pela internet, não digo que sejam o Ryron e Rener fazendo isso, porque eles me parecem sérios, mas conheço pessoas que são graduadas pelo correio. O jiu-jitsu está fora de controle”, lamentou Robson.


O jiu-jitsu criado por Helio Gracie foi desenvolvido para as lutas de vale-tudo e totalmente voltado para a defesa pessoal, que ficou meio esquecida com a explosão das academias pelo mundo e a transformação da arte marcial em esporte. A arte suave para competição dominou o cenário e o objetivo principal da modalidade, a finalização, ficou em segundo plano. Por esses e outros motivos, Helio Gracie, que faleceu em 2009, fez questão de abrir mão de sua faixa-vermelha e se “graduou” um faixa-azul, conforme detalhou seu filho.


Conflito de gerações! Família Gracie diverge sobre métodos de ensino do jiu-jitsu“Meu pai achou que o jiu-jitsu virou de cabeça para baixo e surtou. Papai passou a usar a faixa azul. Ela ia aos campeonatos e via todo mundo gritando ‘segura, segura, faltam dois minutos’ e ficava maluco. Ele achava aqueles campeonatos produzidos pelo Carlinhos Gracie uma bagunça, os caras só queriam vencer por vantagem e amarravam as lutas, o que deixava ele chateado. Ele se recusava a aceitar essas regras que privilegiam o ‘amarrão’ e os caras que usam a força. Hoje, no jiu-jitsu atual, esqueceram a defesa pessoal em detrimento do jiu-jitsu de competição”, lamentou Relson.

Rener prevê que desconfiança passe em 10 anos

 Apesar da desconfiança da geração antiga de alguns membros da família Gracie, Rener e seu irmão Ryron seguem difundindo o jiu-jitsu ao redor do mundo e não veem problemas em usarem ferramentas modernas para implementar o estudo de seus alunos. Para Rener, é apenas uma questão de tempo para que o modelo seja totalmente aceito pela parte conservadora da família, já que como tradição a Gracie exige, o que se afirma tem que ser provado dentro do tatame.

“Os Gracie mais antigos que se sentem ofendidos com os meus métodos, eu compreendo, mas é porque eles ainda não viram os resultados. Tudo que sabemos sobre a vida atualmente, foi contestado antigamente pelos tradicionalistas, até que alguém prove que funcione. Talvez seja preciso de pelo menos uns dez anos para que as pessoas possam ver o grande resultado que a Gracie University vai ter, aí vão parar de me contestar e achar que sou maluco”, disse o atleta, que pretende seguir firme com seus projetos.

“Se eu fosse pensar em cada crítica que recebo ao tomar uma decisão, estaria no mesmo lugar até hoje. Um dia eles vão compreender, não os culpo”, encerrou Rener.


https://esportes.yahoo.com/noticias/conflito-gera%C3%A7%C3%B5es-fam%C3%ADlia-gracie-diverge-060038803.html

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